Criada em 1974 pela Sanrio Company do Japão, a Hello Kitty continua sendo uma das marcas mais reconhecidas e lucrativas do mundo, apesar da publicidade limitada.
Uma pesquisa recente no Google mostrou mais de cinco milhões de resultados para os termos de pesquisa “Hello Kitty”. Claramente, a personagem graficamente simples criada há mais de 30 anos continua colecionando fãs e seguidores autoproclamados.
Meu fascínio pelos produtos Sanrio começou cedo pelo simples fato de adorar coisas kawaii. Os produtos Sanrio foram minha primeira introdução à cultura popular japonesa, embora na época eu não soubesse de sua origem cultural. Mesmo não me considerando uma fã fanática da Sanrio, meu amor pela marca foi aumentando de acordo com o que ia conhecendo e me tornando mais fã da cultura oriental, o que é muito comum, pois a Sanrio coleciona fãs de todas as idades. As celebridades usam equipamentos da Hello Kitty, desde camisetas, jóias em eventos casuais e até bolsas com lantejoulas e estojos cheios de joias em casos de black-tie. Agora, o que exatamente faz a Hello Kitty tão atraente? E quais são as implicações do seu apelo?
O que começou como um experimento Sanrio em 1971 (durante o qual a empresa imprimia designs fofinhos em papel de carta e papelaria) na época da fofa mania de caligrafia japonesa se transformou no que hoje é uma corporação global de bilhões de dólares que lançou centenas de personagens fofinhos na sua vasta gama de artigos de fantasia.
Hello Kitty – com sua cabeça grande e redonda; olhos vazios; e sem boca – é o exemplo perfeito de personagens fofinhos usados na indústria de artigos de fantasia. Ela é pequena, inofensiva, não sexual e acima de tudo, fofa. De acordo com sua biografia oficial, ela mora em Londres junto com seus pais e irmã gêmea, Mimmy. A biografia termina com a frase: “Como Hello Kitty sempre diz, você nunca pode ter muitos amigos”. Além disso, Kitty agora é a “amiga especial da UNICEF” e trabalha para educar os fãs sobre a disparidade de gênero no sistema educacional. A Hello Kitty é a personificação de tudo o que é bom e saudável neste mundo.
Uma discussão sobre a Hello Kitty é quase impossível sem uma explicação do kawaii e da cultura que envolve o termo. Historicamente, a ascensão da fofura remonta à década de 1970, com a popularização de caligrafia e mangás fofos entre os estudantes e a capitalização dessas tendências pela indústria de artigos de fantasia. Embora o significado geral da palavra seja “fofo”, as qualidades e conotações associadas ao termo são muitas. Uma pesquisa entre homens e mulheres em 1992 revelou uma série de outros termos associados ao kawaii, incluindo: infantil, inocente, ingênuo, inconsciente, natural, contato emocional entre indivíduos, elegante, associado a animais e fraco. O Kawaii é um estilo e estética produzidos, bem como uma qualidade inerente a uma pessoa, lugar ou coisa.
A ascensão da Hello Kitty no mercado global de consumo, como outras importações culturais pop bem-sucedidas, pode ser atribuída ao processo de remoção de vestígios de origem japonesa. Além disso, “eliminar a identidade – a japaneidade – dos produtos japoneses parece ser ainda mais proeminente no mercado ocidental. Tornar um produto “culturalmente aceitável” de alguma forma reduz a resistência a um produto através da redução da diferença. De fato, o sobrenome de Hello Kitty é clean, e ela vem de Londres, mas ela e todos os seus companheiros da Sanrio, nunca foram associados apenas à uma identidade específica, seu estado nacional ou à empresa por trás deles. A Sanrio alcançou seu objetivo na medida em que até mesmo o designer atual de Hello Kitty (o terceiro na história da personagem) não tinha certeza se Kitty era ou não uma personagem licenciada ou original criada no Japão.
O desejo do consumidor por todas as coisas Hello Kitty – de lápis à escovas de cabelo, pelúcias e até mesmo vibradores – continuam impulsionando as vendas da Hello Kitty mais de 30 anos após sua introdução no mercado consumidor. As vendas de um bilhão de dólares por ano confirmam que a Hello Kitty tem uma boa base de fãs, com sites dedicados exclusivamente à imagens e à biografia da personagem, além de sites que escrevem poemas e teorias filosóficas sobre Kitty. Como um fã escreve:
Kitty é um paradigma do self feminino pré-adolescente, antes que as jovens sejam forçadas a internalizar as imagens do que a sociedade promove como necessário para se tornar bonita ou atraente […] Kitty é eternamente incorruptível. Ela não quer agradar ninguém, exceto ela mesma. [. . .] Um companheiro Kittyphile sugere que Kitty, com sua brancura imaculada, é a personificação da pura inocência ”.Hanks, 1999
No entanto, nem todas as opiniões sobre a Hello Kitty são tão positivas. Muitos sites comentam de forma negativa sobre a falta de boca de Hello Kitty, muitas vezes tratando o assunto com sarcasmo mordaz. A palavra oficial da Sanrio é que a Hello Kitty fala do coração; como embaixadora global da Sanrio, ela não está vinculada à linguagem. No entanto, seu semblante sem boca inspirou até acadêmicos a comentar. Kitty, como outros personagens fofinhos, tem “braços curtos, sem dedos, sem boca, olhos enormes – que não escondem pensamentos privados do espectador – nada entre as pernas, barriga redonda, pernas gordinhas e pés. [. . .] Coisas bonitas não podem andar, não podem falar, não podem de fato fazer nada por si mesmas porque são deficientes físicos ”(Kinsella, 1995). Todas estas qualidades permanecem do fraco, que são elogiadas ou mesmo glorificadas pela cultura kawaii. Por meio de imagens fofas, os significantes do infantilismo – fraqueza, desamparo, infantilidade e dependência – tornam-se coisas para inspirar ou coisas para imitar. Em uma sociedade ocidental que elogia a autonomia e a independência, as qualidades subjacentes representadas pela imagem kawaii, que são principalmente associadas às meninas, permanecem problemáticas. Sem boca, a Hello Kitty não tem voz nem posicionamento. A imagem de Hello Kitty perpetua ainda mais o estereótipo da dócil mulher asiática. Hello Kitty pode ser vista como um pouco mais do que um “objeto complacente de fantasia”, ainda que tipicamente não-sexualizado. A mulher asiática “não é tão verbal e não se afirma em si mesma em um ambiente público”. Nesse sentido, então, Hello Kitty é a prototípica fêmea asiática, incapaz de verbalizar por não ter boca.
Vários artistas e satíricos deram especial atenção à falta de boca da Hello Kitty. Os Tims escreveram um poema intitulado “Hello Kitty Has No Mouth” que dizia “Hello Kitty não tem boca, mas ela fala a verdade […] Hello Kitty não tem boca, mas ela é a porta-voz da Sanrio.” Eles também incluem uma hilariante, embora um tanto absurda, página de FAQs onde eles esclarecem os leitores sobre as razões para a Hello Kitty não ter boca o que gera respostas raivosas de fãs da personagem. Enquanto isso, o artista Jaime Scholnick criou um filme intitulado “ Hello Kitty Gets a Mouth ” inspirada por seu choque com a popularidade da gatinha sem boca, Scholnick decidiu que era hora da mulher silenciosa conseguir uma voz. Sua introdução diz:
Depois de anos de silêncio, a Hello Kitty agora se junta à lista histórica de outras pessoas do mesmo sexo na aquisição de uma voz. O curta-metragem mostra a frustração que a Hello Kitty encontra ao perceber sua incapacidade de emitir um som. Apropriadamente frustrada por sua descoberta, Hello Kitty prontamente entra em ação e se encontra no lugar perfeito para uma cirurgia reconstrutiva, em Los Angeles.
Scholnick dá à Hello Kitty personalidade e voz, enviando a mensagem de que as mulheres podem ser fortalecidas e mais do que capazes de resolver seus problemas.
A Hello Kitty continua sendo uma das marcas mais reconhecidas e lucrativas do mundo atualmente. Sua popularidade e o sucesso financeiro da Sanrio trouxeram a atenção popular e acadêmica para a imagem da personagem de desenho animado e os significados transmitidos por seu semblante e design. A natureza culturalmente inocente da personagem no começo da expansão global da Sanrio, sua aparência fofa e o certo “frescor” que a personagem passa, contribuiu para o sucesso da marca. Finalmente, a própria imagem da Hello Kitty parece promover os estereótipos tradicionais de gênero, glorificando a suposta fraqueza e o infantilismo das meninas.
Texto: Chanpon
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